Gabrielle tinha mãos pequenas e tão suaves
que enquanto limpava o ferimento da guerreia, essa nem sentia a dor que
aquilo causava.
Xena não conseguia entender as atitudes que
tomava em relação àquela escrava, por duas vezes a carregara nos braços,
ordenou-lhe cuidados que somente os seus soldados tinham, se preocupou em
alimenta-la e agora estava ali permitindo que cuidasse dela...
Ao terminar de isolar aquela parte do
ombro da conquistadora, Gabrielle se afasta e se põe de joelhos no canto do
quarto como se esperasse a próxima ordem.
Desconcertada com a situação, Xena move seu
ombro e nota que o cuidado muito lhe agradava, pois podia se mover normalmente
e quase nem sentia mais o ombro. Notou que durante o tempo que ali permaneceu a
menina evitava a encarar, e tinha sempre a postura retraída; e mentalmente
repassou que não gostava que aquela pequena tivesse medo dela.
Caminhando em sua direção, pois nunca tivera
motivo de estar ali, Xena ia em direção à porta quando lhe disse:
- Não precisa ter medo, levante-se, você
mostrou que tem serventia nesse castelo.
Pegando as pequenas mãos da escrava, lhe diz:
- Você não tem mãos de escrava que trabalhou
sem serviços forçados.
Os olhos de Gabrielle transmitiam o medo que
ela sentia dos olhos azuis que a encaravam.
- Você era escrava corporal de seu dono? É
por isso que Mezentius ia lhe usar?
Gabrielle se encolhe ainda mais, e as lágrimas
agora tomavam seus olhos.
- Não senhora, nunca fui escrava de corpo... Sou
vir... Virgem.
Por algum motivo alheio a sua vontade, ao
ouvir aquilo a imperatriz sente o meio de suas pernas contraírem deliciosamente
e erguendo as sobrancelhas fitando a menina deixa escapar uma risada maliciosa.
- Tens de fato muita sorte escrava, mas se
você não servia na cama o que fazia se não tem tamanho pra nada?
Xena percebe que estava lhe agradando estar
na presença daquele ser, e rendia a conversa, queria saber sobre ela.
“Por Hades... Que raio lhe interessa, Xena,
saber da vida monótona de uma escrava? Ainda que linda, mas somente uma
escrava...”
Desde que ergueu aquele corpo, era inegável
que Xena havia reparado nos seus contornos. Ainda que pequeno fosse, era
perfeitamente desenhado, de pele delicada, boca carnuda e aqueles olhos
transmitiam a ela tudo, pois carregavam paz.
Gabrielle arrasta um fio de voz... - Eu não
era escrava, senhora.
Aquilo aos ouvidos de Xena soara como um soco
no queixo, aquilo a remeteu no tempo que foi levada a força junto com seu irmão
Lyceus. Aquilo havia sido o começo do caminho que a trouxera ali, o começo do
caminho que mataria o tão amado irmão. Aquilo a levou a ser o monstro que por
suposto agora era. Alimentou o ódio anos a fio até matar aquele que a tinha
tirado da sua família.
- Como você não é escrava? O que fazia com
aquele porco?
O tom de voz de Xena havia em muito se
alterado, e o pranto de Gabrielle agora jorrava abundante.
- Nunca fui escrava, os homens de Draco
invadiram Potedia, queimaram tudo, machucaram minha família e me tomaram como
escrava.
Com os olhos fixos ao chão, a menina era
feita somente de pranto.
Xena ainda envolta a seus pensamentos, não
conseguia reagir aquilo e estava tão perto da garota sem conseguir se afastar.
Com o dedo fez aqueles olhos esmeralda
encarar os seus.
- Porque não disse a ninguém antes que não
era escrava?
- Ninguém acreditaria, e penso que você
também não.
- Está muito enganada, Gabrielle. Não duvido
de você porque conheço muito bem as práticas de Draco, mas também, assim como
tantos, pode estar ousando a tentar me persuadir. Assim sendo faremos uma
acordo.
Gabrielle a encara com espanto e se põe a
ouvir.
- Mandarei emissários a sua terra para
averiguar, e se assim provado for que você era uma mulher livre, eu
lhe devolvo esse direito até porque não a comprei.
- Senhora, por que me fazes isso? - disse a
pequena sorrindo.
Ao se dar de frente àquele sorriso, o mundo
de Xena parecia ter ganhando cor, mas ela ainda não entendia isso, sabia
somente que aquele sorriso alimentava sua alma. Xena não tinha a resposta para
a escrava porque ela também não entendia a situação e tampouco suas ações.
- Porque eu sou a imperatriz, a dona desse
mundo e faço o que eu quero. Mas se por ventura eu descobrir que estais
me enganando eu a crucificarei no pátio para servir de exemplo.
Xena seguiu falando:
- Já que por benefício da dúvida você não é
escrava, não quero você circulando em meio aos corredores do castelo sem
minha autorização, nem trabalhando na cozinha, você será de ajuda em meus
cuidados pessoais e vou comunicar a Mira a novidade. Por hora você fica nesse
quarto, não quero perto de mim pior do que está com a doença da tosse.
- Não quero aborrecê-la senhora, foi o frio,
sempre tive boa saúde...
Xena se lembra da noite que ouvia os gemidos
do corredor ao passar pela jaula fria que aquela pequena criatura dormia,
sentiu-se mal em tratar daquela forma um ser humano, mas ela não era uma pessoa
vestida de bons sentimentos e não entendia porque ter tais pensamentos com Gabrielle.
“Que Hades tem essa menina?”
Saindo do quarto e deixando a escrava atônita
sem nada entender, a imperatriz segue a seus aposentos. Tinha os
cotovelos apoiados no suporte dos vitrais que davam vista a escura noite fora
os muros de Corinto, e enquanto solvia a terceira taça de vinho o peso da
responsabilidade de governar todas aquelas terras caía sobre seus ombros.
Revisando a vida que teve antes das batalhas que lhe fizeram a senhora do
mundo, ela não se via diferente da pobre escrava. Em outro tempo lutava com
todas as forças para se manter viva junto com Lyceus.
Ela se tornou a dona da Grécia, mas havia
perdido sua humanidade e seu irmão. Era esse o alto preço que pagava por tudo
que conquistara. Tomava para si a culpa de muitas desordens que não se
empenhava em impedir nas cidadelas que rodeavam Corinto, tinha ciência do comércio
ilegal de escravos e agora ali a poucos passos dela tinha a prova do sofrimento
imposto a uma doce criatura que possivelmente era vítima de tal brutalidade.
Naquele momento com o olhar muito além dos muros, distante da impiedosa
imperatriz, estava somente Xena, a guerreira de Amphipolis, que
decidia que apuraria se a linda menina que a pouco lhe cuidava com tanto
zelo era somente uma vitima da maldade do mundo assim como ela foi um dia. “Quanta
ironia punir quem prega o mal se eu o sou em pessoa”
Já fazia luas que Gabrielle não sabia o que
era o conforto de algo que pudesse chamar de cama, o ambiente que agora se
encontrava não dispunha de luxo, mas também não era nada que se podia comparar
com a cela fria a qual estivera jogada. Havia uma cama com um macio colchão
preenchido por algo que imaginava ser penas, sentia ali o cheiro fresco de limpeza,
e no canto havia uma pequena mesa e uma jarra de água com uma bacia. Uma
pequena tocha trazia luz ao ambiente, tal luz refletia nos verdes olhos que
contemplava o teto tentando entender o que se passava e em como a
perigosa mulher que lhe causava horror em dados momentos parecia estar à mercê
de qualquer mal assim como ela. “Ela nem de longe é o monstro que pintam, ela é
boa, pelo menos comigo”. O sono agora levara Gabrielle que estava por voltas de
um cansaço que nunca sentiu.
Mais uma vez a guerreira não encontra a paz
de seu sono e mesmo sem querer tudo que ocorre é um par de olhos verdes...