Queimando a escrava sentada a sua frente com os olhos, Xena
mostra-se fria ao dizer:
— Eu abri mão de ser dona do meu destino pelo poder.
Em um sussurro teve a confirmação de algo que já sabia.
— Mas isso é muito triste, não se ter o direito de escolher o
caminho é terrível, mas você, diferente de mim, pode mudar isso.
Ao ouvir aquilo, Xena se dá conta que a menina fala também da
própria situação em que se encontrava. Possivelmente viveu a vida em liberdade
e agora estava subjugada naquela condição.
A imperatriz não demorou sentada a mesa, tinha algumas audiências
públicas nas próximas marcas de vela e iria se reunir com os conselheiros
do tesouro para discutir investimentos em um porto nos arredores de
Corinto.
— Ouça Gabrielle, termine seus afazeres como foi orientada, quero você
aqui com algo leve para que eu me alimente assim que os últimos raios de sol se
forem ao horizonte. Dentro do quarto tem um baú com minhas botas. Limpe-as e
deixe minha armadura separada e separe também uma capa escura que tem no meu
armário, preciso estar pronta assim que anoitecer, vou sair do
castelo hoje e não posso tardar em fazer isso. Ninguém nesse castelo
ainda conhece o seu acesso a mim, use disso durante as próximas marcas de vela
e, se algo estranho chegar a você, venha até mim imediatamente. Existe uma
ameaça nesse castelo seja quem for eu o quero-o morto.
— Sim senhora.
Só de ouvir a mulher falar daquela forma, Gabrielle sentia arrepios,
sabia que a saída da conquistadora era para algo sombrio. Lembrou-se de
quando encontrou a mulher no meio da floresta e à sua cabeça veio a imagem de
Mezentius morrendo pelas mãos daquela mulher com quem dividiu a pouco a
mesa. Na cabeça da escrava, a imperatriz era um terreno perigoso e desconhecido,
mas muito interessante e aquilo a atraía. Não podia negar que lhe aprazia estar
na companhia daquela mulher e tentava se acostumar de que estaria em constante
presença dela. Gabrielle se lembrara do que haviam conversado na noite anterior
enquanto polia as botas da conquistadora, a fria mulher tinha lhe dito
apurar seu passado e que ganharia a liberdade se constatado que antes da
invasão de Potedia era uma mulher livre. Havia verdade naquilo? Já longe dos
muros de Corinto um emissário seguia em direção a seu antigo lar.
Xena estava mergulhada na monotonia que somente aquelas audiências lhe
traziam, somente conseguia suportá-las a base de muito vinho e, embora soubesse
que naquela noite ainda arrumaria confusão fora dos muros do castelo em batalha,
não se privou da bebida. Terminada as atividades da corte e ainda com sol no
horizonte, a imperatriz desce por um corredor secreto que lhe levava a seu
estábulo. Resolvera pessoalmente cuidar do preparo de sua montaria,
desceu a passos largos em direção de onde ficava Argo. A égua ficava em uma
área isolada do estábulo, e aquele acesso permitia Xena ir direto a sua
baia sem dar voltas passando pelos demais animais que ali também
estavam. Enquanto descia pelo trajeto, a lembrança da conversa que tivera
com sua escrava voltava-lhe a memória. Nesse momento não era a temida mulher,
estava à volta somente de alguém que a vida muito maltratara e endureceu sua
alma para não ser morta pelas circunstâncias. Suas lembranças foram além e
pararam em uma pequena figura loira que constantemente estava a tirar seu juízo
e mexia muito com o seu desejo. ”Xena ela é só uma menina, mas é uma linda
menina, aqueles olhos, e aquela boca...”.
O pensamento mexeu fundo nas entranhas da guerreira que chegava ao
estábulo.
“Como escrava posso tomá-la, mas ela pode ser uma mulher livre... E
desde quando você tem consciência, guerreira estúpida?”
O subconsciente de Xena dizia há ela muito mais que isso, só não
admitia a si mesma que aquela menina mexia com ela além do desejo. O medo de se
sentir humana de novo era apavorante para ela. Já nos estábulos cuidando de sua
égua, Xena se põe a falar como se o animal pudesse entendê-la.
— Argo, minha menina, não me permito a isso, tenho as putas que quiser
pra foder, ela é só uma escrava. - A égua parecia entender e balançava a cabeça
em negativa.
O desejo da guerreira estava aflorado, não tinha satisfeito em
nada estar com Melina e não entendia o porquê, e isso a irritava profundamente.
Xena não estava sozinha naquele ambiente, de repente ela tem a sensação
de estar sendo observada, mas se distrai aparando a crina de sua égua.
Gabrielle tinha permissão de circular pela fortaleza até mesmo a fim de
conseguir identificar alguém que se levantava contra a autoridade de Xena. Ela
gostava de disso, pois se sentia livre quando andava mesmo que fosse
dentro dos limites do palácio, havia passado pelos jardins dos fundos que
terminava em um pomar e viu aquela área deserta. Ficou encantada com o que viu,
mas o vento começava a soprar muito gelado e ela se destina à área
coberta por longos corredores cheios de baias e cavalos. O cheiro do couro das
selas preenchia o lugar, aquilo a levava a uma cidade que estava ao sul dali, a
sua cidade, a sua casa, e isso agora estava muito distante dela. Feliz em estar
ali, a menina continuava perambulando distraída a curtos passos.
No interior do estábulo a imperatriz sente uma presença se aproximar, e
vira antes que seu general Lugo a alcance.
— Senhora conquistadora, o que faz aqui nessas baixas dependências?
— Ou você está cego ou é burro Lugo, não está me vendo cuidar de minha
montaria?
— Sim, mas é que eu a vi aqui e achei estranho, e resolvi ver se estava
tudo bem.
— Eu já sou grande demais, Lugo, e sei muito bem me cuidar.
Xena estava agora de costas para o forte general que a encara com malícia
no olhar. Aproximando-se da guerreira, Lugo põe suas mãos em sua cintura, puzando-a
para si.
—Xena, chega disso... Não tem ninguém aqui, e eu ando louco atrás de
você, você sabe muito bem o que eu sinto por...
Antes que o general terminasse a frase, a conquistadora que confusa
estava com seus sentimentos e desejo, se joga naquela situação buscando aplacar
a vontade que a atormentava, vira-se e ataca a boca do viril homem com fúria.
Lugo, embora jovem, já andava nos exércitos de Xena a muitos verões, e
por sua bravura e destreza nas batalhas ganhou um lugar nos Falcões e posteriormente
tornando-se homem de confiança da Imperatriz, não somente em seus exércitos,
pois fora afortunado em frequentar a cama da guerreira. Por vezes nos campos de
batalha, Xena arrastava o general para a sua tenda e lhe dava intensas noites.
Lugo não soubera administrar isso e se perdeu em paixão pela senhora do mundo,
e sabendo o quão perigoso era essa experiência, Xena, que sempre preferiu o
prazer que as belas mulheres lhe davam, tratou de afastar-se do general que até
então andava atrás dela como um cachorro. Embora não sendo correspondido, não
desistia. Dessa vez em meio ao conflito que a mulher vivia ela se deixa levar.
Lugo arrasta Xena até uma rústica mesa que ficava perto das baias a
apoiando ali. A alta mulher já o puxava para o meio das suas pernas
forçando a penetrá-la. Com fortes estocadas, o homem mordia seu pescoço dizendo
coisas desconexas. Ele estava perdido na mulher por quem se atreveu a nutrir
sentimentos. Xena estava em qualquer lugar menos ali. Movimentava os quadris
com força contra o homem, mas já não permitia mais o beijo, o beijo que a
conquistadora estava a ponto de enlouquecer pra sentir só poderia ser dados por
lábios que aparentavam suavidade, pela boca carnuda de Gabrielle. Os
pensamentos de Xena são invadidos pela loira... “Que Hades se passa comigo,
deixando esse homem me comer como se fosse uma vagabunda e sem em nada
desfrutar, escrava maldita seja!”. Na tentativa de afastar a loira de seus
pensamentos, a guerreira agarra seu general que a possuía enlouquecido,
aproximando-se do seu ouvido e sussurra:
— Fode sua rainha como uma de suas vagabundas da senzala.
Xena, mais que ninguém no mundo, queria sentir o prazer que o ato deveria
render a ela, mas estava longe demais dali pra poder sentir algo. Por sua vez,
Lugo, ao ouvir as palavras ao seu ouvido, não se controla mais banhando o
ventre da guerreira com seu líquido. Tomada de nojo de si mesma e
arrependimento se dando conta daquilo, Xena empurra para longe de si o forte
homem que nada entendeu. Mal sabia Xena que teria motivos maiores para se
arrepender.
Bem perto dali em um canto, dois reluzentes olhos banharam-se em pranto
ao observar o que estava acontecendo. O pequeno corpo que a tudo presenciou sai
correndo em direção à fortaleza tomada por um sentimento de tristeza. Gabrielle
não tinha razão de sentir tristeza e tão pouco entendia porque, mas ver a
conquistadora entregue àquele homem lhe doeu mais que uma surra de chicote.
Saindo a passos largos em direção ao secreto acesso do estábulo, Xena
sequer olha para trás quando Lugo a grita:
— Xena, o que foi que aconteceu?
Em disparada pelo corredor subia a alta figura com ódio de si por se
deixar levar pela situação. Sempre soube dos sentimentos de Lugo e sabia
o quão perigoso era, pois em virtude de suas farras sexuais estava a beira de
desenterrar uma batalha porque um dos homens apaixonados por ela queria agora
vingança. Entrou em seus aposentos arrancando do corpo a roupa, e se encaminhava
pra sala de banho quando notou barulho na antecâmara. Imaginava ser sua linda
escrava que devia estar à volta com os cuidados que lhe dispensara.
Permitiu-se olhá-la de longe colocando a mesa como havia solicitado, mas notou
que algo estava diferente. Seguiu para seu banho absorta na estupidez que
tinha cometido no estábulo. Sentia raiva de si por ter permitido que
acontecesse, raiva por mais uma vez não conseguir dissipar a tensão no ato, seu
sexo agora doía, pois provocou o general e ele não havia sido em nada delicado.
Ao entrar na água Xena sente o choque que o contato causa em seu sexo.
Precisava lavar de si as marcas que sua ação tinha deixado, estava por
completo enojada, mas um pensamento lhe toma: “Em outros tempos teria
desfrutado como uma puta ser possuída daquela forma, por que eu nada senti?”.
Enquanto se lavava nas mornas águas deu-se conta que tinha a resposta. “Guerreira
idiota, é a maldita escrava que você quer, mas já que resolveu ter consciência
e não quer tomar sua escrava à força, seja forte e viva com isso”. A simples
elevação de pensamento à escrava faz Xena sentir seu ventre contrair, e
mergulhada nas mornas águas os longos dedos tocam seu sexo já molhado não pela
água. O simples pensar fazia o desejo minar de seu ventre, o pensamento de Xena
fora possuído pela pequena e não precisou de muito, pois ao roçar os
dedos no clitóris já inchado pela excitação é tomada por um
prazer único e arrebatador. Entregando-se a dominante sensação, sussurra o nome
que não saía mais de seus pensamentos... - GABRIELLE.
Xena sabia que naquela noite ainda teria que encarar o general, pois
tinha certeza que ele faria parte do contingente de homens que estaria
com ela fora dos muros. Não se envergonhava de ir pra cama com seu
general, aquilo já havia acontecido antes e boa parte da tropa embora não
ousava comentar sabia que existia um envolvimento. Mentalmente repassava como
cortar novamente o vínculo e se afastar em definitivo daquele homem. Não o
queria na cama, mas não podia negar que ele era um bom soldado.
Saindo da água indo em direção a sua cama coberta somente por um fino
pano que usara para secar seu corpo, Xena dá de cara com sua escrava de
cuidados pessoais, que lhe lança um olhar perturbador e que, ao contrario
de todas as outras vezes, não demonstrava paz, havia nele algo que
era incapaz de traduzir.
— Me vista, Gabrielle.
Xena solta o pano que cobria seu corpo e nota que a pequena dessa vez
não procura seus contornos. Aquilo incomodou profundamente a imperatriz.
O silêncio no recinto era cortante. Gabrielle vestiu e atou as correias
que prendiam a armadura da conquistadora, ajustou as botas e agora por fim
prendia no pescoço a longa e pesada capa que protegeria aquele
corpo do frio na noite que já caía.
Interrompendo o silêncio e com olhos tristes, Gabrielle pergunta:
— Está a seu agrado senhora conquistadora?
Gabrielle não tinha nada além que frieza na voz e Xena não estava
acostumada aquilo, pois conheceu uma menina doce mesmo diante de todas as
dificuldades.
Xena agarra o pulso da menina dizendo:
— Não, não está do meu agrado escrava.
— Perdão senhora, o que devo fazer?
Sem pensar, Xena diz:
— Me olhar nos olhos.
Aquelas palavras assustam Gabrielle que ao se lembrar do que vira
permanece com os olhos fixos ao chão.
Xena não sabia por que não suportava não ter o calor daquelas
esmeraldas lhe fitando.
Leva os dedos ao queixo da menina forçando-a olhar seus olhos azuis que
ardiam em um misto de medo e raiva.
— Olhe pra mim, estou mandando.
As duas permanecem ali se encarando por um período que não pode ser precisado.
Os olhos azuis eram fogo, desejo, MEDO.
Já naqueles que carregavam a esperança na cor, se via um céu de
trovoadas, fechado, um olhar perdido e tinha TRISTEZA.
Xena quebra a magia que cercava o momento dizendo:
— Por que me olhas assim?
— Te olho como em todas as outras vezes que fui forçada a te olhar
senhora conquistadora.
— Escrava insolente, quem você acha que é pra falar comigo assim?
— Eu não sou ninguém senhora, o olhar que de mim recebe é o olhar que
merece.
O silêncio do ambiente foi rompido pelo estalido de um forte tapa que a
imperatriz desferiu contra a pequena escrava. O tapa havia sido forte o
suficiente para lançar a escrava longe contra o frio chão.
Xena pega sua espada e sai porta afora com o ódio estampado no olhar,
deixando no chão a criatura sentindo uma dor insuportável. A dor não era
física. “Como pude pensar que ela era boa? Ela é um monstro”.
Atordoada com tudo, Xena estava furiosa com o mundo inteiro e consigo
mesma. Estava louca por Gabrielle, não admitia isso, e era covarde demais para
se aproximar dela como seres humanos normais fazem. Isso havia a levado a
envolver-se intimamente com seu general, e a lembrança do homem molhando seu
ventre a revirava as entranhas. E agora, não bastando isso, soltara sua fúria
sobre a pequena Gabrielle. “Imbecil! Tinha que lançar seu ódio justo contra
quem era sua paz? Sim, Gabrielle é a minha paz”. A guerreira montou sua égua e,
saindo a toda velocidade pelo pátio rumo aos portões, não controlou o líquido
quente que escorria dos perigosos olhos azuis... Sim, Xena estava chorando e
não sabia nem mais identificar o sabor do sal das lágrimas que tomou sua boca.
Olhos acostumados com lágrimas e lábios habituados ao sabor daquele sal
provavam naquele mesmo instante o amargo gosto. Olhando pelos vitrais estava a
pequena escrava contemplando a partida da senhora do mundo...