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DAS SOMBRAS DA MALDADE AO FOGO DO AMOR: Um Fim, Um Começo

 




Xena cruza os portões de Corinto a toda velocidade. Impulsionada por um ódio que era palpável, a guerreira estava atordoada com seus sentimentos com a pequena escrava, sabia que havia machucado a menina. Enquanto cavalgava perdida em sua escuridão repassou mentalmente as ações da escrava, não conseguia entender o porquê a menina a tratava com tamanha frieza e sentia ódio de si mesma ao se dar conta que o comportamento da pequena Gabrielle já a importava demais. Queria ser alguém diferente pelo menos com aquela pequena figura que demonstrou nos piores momentos uma calma nunca alcançada por ela.

Voltando às ações que exercia fora dos muros, a guerreira se dá conta que ali não era um lugar de reflexão, sabia que fora dos muros estava à mercê do perigo imposto por seus inimigos. Xena carregava a fúria em seus olhos enquanto marchava rumo ao norte na rota que estava o exército de Batios. Não muito longe dali estava cerca de 50 homens bem armados e escondidos nas copas de árvores, portavam bestas e vários deles eram arqueiros. Antes do pôr do sol um homem desconhecido partiu de corinto levando um pergaminho selado que fora entregue a Batios informando que a presa estaria fora da gaiola ao fim dos raios de sol. Ao ler as palavras, imediatamente Batios ordenou marcha forçada a 50 de seus homens com ordens claras de levarem até ele a guerreia.

— Tagam-me aquela vadia viva e muito consciente, vou mostrar a ela como os homens aos quais ela me entregou tratam seus prisioneiros.

Batios em outro tempo após ser capturado passou várias luas sofrendo torturas diárias, tinha parte de seu rosto marcado com ferro em brasa além de todas as costas mutilada. Nunca perdoou Xena por ter barganhado a retirada das tropas entregando-o ao exército inimigo. Cerca de um verão depois Batios rendeu-se e jurou lealdade ao Senhor do exército que o torturava, enganando tal líder dois verões mais tarde. O assassinou e tornou-se senhor do exército que agora marchava em direção de Corinto. Os homens daquele exército não sabiam o real motivo do interesse de seu líder em destruir a senhora do mundo conhecido, para aqueles homens seria uma terra a ser conquistada, para Batios seria a vingança de tudo que sofrera.

Num canto escuro do castelo ecoou uma risada sarcástica quando a Imperatriz cruzou os portões a toda marcha...

— Hoje é seu dia vadia, o seu fim e o começo do meu triunfo!

Em um espaço pequeno na parte superior do castelo, uma pequena figura estava entre soluços. Gabrielle sentia seu rosto arder onde havia sido acertada pelo forte tapa recebido quando as lágrimas banhavam aquela parte. A dor que cortava a alma de Gabrielle era infinitamente maior. Mentalmente repassava os últimos acontecimentos e se deu conta que não encontrava semelhança na imperatriz que lhe esbofeteou com aquela mulher forte que havia a salvado mais de uma vez nos últimos dias. Seus pensamentos foram interrompidos quando seu espaço foi invadido pela figura da velha escrava Mira. Tirando-a do quase transe ao qual se encontrava, Mira se aproxima:

— Menina, o que foi que aconteceu, o que você fez a Senhora conquistadora?

— Ela não merece esse titulo, ela não é senhora de nada, ela não passa de um ser coberto de maldade.

— Gabrielle, eu não vou adivinhar o que está se passando, mas pela forma com que vi Xena montar e sair desse castelo algo muito sério ocorreu.

— Ela me bateu, me machucou e saiu feito uma besta desgovernada... Foi isso que aconteceu.

Mira olha espantada a marca que Gabrielle trazia no rosto.
— O que você fez a ela pra que ela a fizesse isso?

— Eu odeio aquela mulher que só pensa em causar dor.

Mira percebendo que nada tiraria daquela menina resolve deixá-la, não sem antes dizer o que deixaria Gabrielle ainda mais perturbada:

— Menina, Xena é uma alma solitária, nunca vi ela sendo nem parecida com algo que tenha alma desde que estou com ela, mas com você ela tem se permitido a ser algo próximo a isso, ela cuidou de você por razões que nós desconhecemos e somente alguém que mexa com ela conseguiria desestrutura-la como aconteceu. Eu não sei onde ela foi Gabrielle, nem com qual propósito, mas nunca vi ela tão desequilibrada, talvez você tenha as respostas ou não.

— Ela não se importa com ninguém. - “Por que se importaria com uma escrava?”

Já havia se passado algumas marcas de vela desde que Xena abandonara a segurança de Corinto. Contrariando o que tinha planejado, Xena pega uma furtiva rota se afastando de onde estava, posicionado seus homens de retaguarda. A fúria dela era palpável, seria capaz de matar um exército inteiro.

Avançou por mais um tempo até ser alcançada por uma flecha que agudamente lhe acertou o abdômen. A guerreira não tinha ideia de onde tinha vindo a flecha certeira, mas sabia que estava cercada. Soltando seu grito de guerra, desembainha sua espada e golpeando o ar avança um pouco mais.

O seu grito foi suficiente para alarmar seus homens que, a cavalo, em pouco tempo se juntaram a ela. Quando Nereu e seus homens a alcançaram, Xena já estava profundamente mergulhada em batalha e em meio à escuridão percebeu que tinha cerca de quase 100 homens envolvidos contra ela e contra agora seus soldados que chegaram.

Toque de espadas, gritos de horror e escuridão, era tudo que havia naquela noite fria. Xena deferia golpes pesados, atacava e defendia como nunca, o ódio que sentia de si mesma agora era vertido sobre quem ousava desafia-la. A diferença de força era imensa, eram poucos os homens de Xena contra os soldados de Batios, mas a força daquela mulher garantiria que todo exército inimigo fosse dissipado em algumas marcas de vela.

Como a guerreira havia imaginado, existia dentro do castelo quem a queria no mundo de Hades e estava fazendo de tudo para garantir a passagem dela ao tártaro. Algumas marcas depois de destripar aqueles homens, Xena escreve na escuridão uma frase em um pergaminho “seja homem na vida como nunca fora na minha cama e venha me matar com suas próprias mãos”. Depositando aquele pergaminho nas mãos de um homem ferido, colocado em cima de um cavalo, Xena brada:

— Leve ao seu comandante e como prêmio está tendo sua vida poupada!

Uma risada maliciosa cortava o frio da noite.

Nereu que ordenava sua tropa em formação se aproxima da senhora conquistadora chamando por ela sem resposta. O homem estava impressionado com o que vira a conquistadora fazer e nem tinha se dado conta que ela estava ferida. Xena estava em um mundo que não era aquele. Tomada pela força do ódio estava pondo sobre estacas todos os homens mortos. A ira saltava a seus olhos, e estava banhada por sangue. Muito ao longe parecia ouvir alguém chamar por ela, era incapaz de absolver as palavras a ela dirigidas.

Nereu pôs a tropa em formação e ordenou que aguardassem a senhora conquistadora para se colocarem em marcha.

Os primeiros raios de sol não tardariam muito em apontar no horizonte e Xena estava ainda em batalha com ela mesma, esgotou todas as suas forças até espetar o ultimo homem. A mulher não sentia dor física, não sentia nada, e tão pouco aquela fecha que estava atravessada em seu corpo. Montou Argo e sem olhar seu exército partiu em disparada rumo a Corinto.

— Mas que Hades tem essa mulher? - bradou Nereu se pondo em disparada atrás dela com a tropa.

Não muito longe de onde partiu, Xena parecia estar voltando a um estado de consciência e começa a sentir a dor dos ferimentos, e algo que ardia em brasa abaixo de suas costelas. Incapaz de mexer no ferimento e sabendo que uma pessoa era incapaz de sentir duas dores, se pôs a pensar em uma dor maior... As dores da alma.

Sem se entregar a nenhuma das dores, a única coisa que lhe ocorre é que ser qualquer coisa perto de um ser humano a causava dores demais: se importou com alguém que com palavras e indiferença lhe causou dores muito maiores do que as conseguidas em batalha e estava decidida a se afastar de todo resquício de humanidade.

“Minha batalha é com ela... Como é linda, como a quero...”

Sobre os olhos de Xena pesam uma escuridão desconhecida, seu corpo estava quente, e suas mãos geladas, os olhos pálidos se fecham sob o lombo do animal que montava, e num breve instante o corpo desenhado em batalha ia cedendo de encontro ao chão, pois Nereu não estava perto o suficiente para evitar a queda, porem pode ver o corpo de sua senhora pesar até despencar do cavalo.

Quando se aproximou viu Xena caída, pálida e os então se deu conta que abaixo da capa que cobria o frio da noite tinha uma flecha atravessada.

— Pelos Deuses, como essa mulher lutou com força de 100 homens com uma flecha atravessada no corpo?!

Diante do espanto o fiel general ergue nos braços o corpo inerte da guerreira montando-a junto a si na cela e pondo-se em marcha forçada a Corinto. A vida de Xena dependia do tempo em que receberia cuidado e não havia nada mais importante no mundo para o general. Rasgando os portões de Corinto rapidamente desmonta e ergue nos braços o corpo da mulher se pondo corredor adentro rumo aos aposentos da conquistadora. Pela hora não havia uma viva alma de pé, a não ser uma sombra que do fim do corredor escuro de acesso ao pátio a tudo observou com um largo sorriso.

— É chegada a sua hora vadia de merda....

Nereu Chega aos aposentos da conquistadora arrebentando a entrada com um forte golpe, depositando o corpo inerte sobre a cama. O general desce em disparada em busca de ajuda, ele não era capaz de salvar a vida da senhora do mundo conhecido.

Chegou ao andar inferior e deu de cara com Mira que saiu de seus aposentos.

— Nereu, que Hades se passa?

— A senhora conquistadora está ferida, e não tem muito tempo... Preciso de ajuda.

— Onde ela está? Pelos Deuses, o que aconteceu a menina? - dizia a escrava com lágrimas nos olhos.

— Está em seus aposentos. Vou chamar o curador, saia da minha frente.

Mira saiu a toda pressa rumo onde jazia o corpo inerte de Xena que banhava os lençóis alvos em sangue. Ao ver aquilo o pavor toma conta dos olhos da velha escrava que tinha Xena por filha. Sem pensar pega um pano e mergulha em água e se põe a limpar o rosto daquela que era senhora do mundo mas para ela nada mais era que uma menina. Ao tocar Xena, Mira nota que a ela já ardia em febre, e não respondia ao toque. Tirou de seu corpo as vestes que a cobria, deixando-a praticamente nua e com a flecha presa ao abdômen, daquele furo jorrava sangue e se pôs a imaginar o quanto dele já havia se esvaecido. Nereu entra pela porta praticamente arrastando o curador que afastou a escrava e vendo a situação diz:

— Tragam água morna, panos limpos. Ela não tem muito tempo, está sob efeito do veneno.

Os olhos de Nereu e Mira eram puro pavor. A escrava rapidamente se pôs a fazer o que foi pedido, Nereu nada podia fazer ali e desce rumo ao pátio para controlar os homens que entravam pelos portões em suas montarias trazendo os feridos.

Nos aposentos da conquistadora o curador trabalhou arduamente quebrando a flecha e a retirando, abrindo o buraco do ferimento que fervia em sangue, colocando algumas ervas. O correr das areias do tempo ditariam a vida ou a morte da guerreira que suava frio e não reagia, estava perdida em um lado escuro do reino de Morpheu.

— Mira, não posso fechar o ferimento, tem um veneno que eu desconheço, pus algumas ervas e agora só nos resta esperar que faça efeito.

— Ela vai viver?

Uma voz que era quase um sussurro interrompeu o curador.

— Não podemos saber, temos que aguardar a vontade de viver dela ser mais forte que esse veneno.

O Curador deixa o ambiente sem nada mais a fazer deixando Mira e Gabrielle velando o sono de morte da guerreira.

Xena estava tomada pela febre, o corpo não podia ser coberto pelo estado, e o tremor do frio toma conta daqueles músculos. Mira e Gabrielle se colocam a esfriar aquele corpo com panos umedecidos. Nos olhos de Mira lágrimas contidas, nos olhos de Gabrielle essas escorriam até sem que ela sentisse ou soubesse o motivo. Há muito pouco mantinha ódio, mas ao ver aquele corpo inerte seu coração se partiu em grãos de areia.

— Gabrielle fique com ela, vou buscar mais panos e outras bacias limpas, ela precisa de cuidados.

Em um meneio de cabeça Gabrielle confirma.

Xena permanecia com respiração leve e o corpo mergulhado em dor e febre, parecia não querer reagir ou voltar. Tirando a toalha da testa da guerreira e mergulhando na bacia de água, a pequena escrava antes de voltar a refrescar aquele corpo o percorreu com suas esmeraldas, olhou cada centímetro e mentalmente admirava o quão belo era, com a ponta dos dedos tocou o abdômen descoberto da mulher perto do ferimento e inconscientemente se atreve a balbuciar... – Xena... Xena, acorda...

Em um mundo muito distante quase entregue, aquelas palavras entraram nos ouvidos da guerreira, que respira profundamente e dos lábios desenhados da morena ouve-se um suspiro... – Gabrielle...

A escrava recebe seu nome vindo daqueles lábios como um pedido de socorro e suplica, seu coração acelera e se aproxima do rosto da mulher refrescando-o e num instante que durou a eternidade encontra o azul dos olhos que sobre ela exercia um efeito que o mundo ainda não conhecia. Em um esforço Xena separa os lábios para falar algo que impedido foi pelo toque dos dedos da escrava.

— Descanse, vou cuidar de você.

As palavras de Gabrielle devolvem Xena ao sono, que já não era o da morte.






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