As próximas marcas de vela transcorreram com Xena naquele
estado a beira da morte. O veneno usado na seta que a atingiu era
desconhecido do curador e tudo que se podia controlar era a febre
que cortava o corpo da guerreira. Gabrielle permaneceu ali cuidando
da imperatriz conforme prometido. Naquele ambiente agora somente as duas eram
iluminadas em uma pequena tocha que ficava no canto do quarto. Gabrielle
dispensou a presença de Mira uma vez que essa já tinha certa idade e
estava cansada demais para romper a noite ao lado daquela cama.
A noite da pequena escrava se resumiu em resfriar o corpo da
guerreira com compressas em sua testa, vez ou outra o cuidado se estendia
pelo resto daquele corpo. Foi impossível para Gabrielle não observar cada
contorno, “como ela é bem desenhada, cada pedaço desse corpo tão bem definido”.
Esse pensamento trouxe uma agradável tensão ao centro da escrava que não
entendia as reações que aquela mulher a causava. Os primeiros raios de sol
alcançavam o céu e a febre havia cedido um pouco. Mira leva até os aposentos a
refeição a qual a imperatriz era incapaz de tocar.
- Gabrielle, você passou a noite acordada e precisa se alimentar,
ficar doente em nada vai ajudar nesse momento e você ainda nem bem se recuperou
da doença da tosse.
- Mira, estou bem, bem melhor do que se pode imaginar se comparado
ao que vivi fora desses muros.
- Mesmo assim, coma, eu fico com ela, ela não parecer disposta a
ir a lugar algum. - disse a velha escrava com um sorriso, arrancando também um
de Gabrielle.
Gabrielle saiu e se pôs de pé indo em direção à mesa da
antecâmara onde era disposto o desjejum, assim que se sentou percebeu a
fome que tinha e nem se dera conta por estar absorta nos cuidados com a
conquistadora, mentalmente repassou que Xena estava na companhia de
alguém confiável e que podia se permitir um banho e trocar aquelas
vestes. Mergulhando na água sentiu-se e se pôs a pensar se teria culpa
pelo estado daquela que tinha a vida em risco. A sua memória veio às reações de
Xena para com ela nos últimos instantes antes de sair do palácio, o estranho
sentimento que teve ao ver sua senhora nos braços daquele soldado e a
estranha sensação que tinha ao estar junto com dela. “eu tenho que odiar essa
mulher, ela é cruel, mas não consigo, eu sinto ternura naqueles olhos. Deuses,
quando ela me encara é tão perturbador, eu estou ficando louca. As Parcas
zombam de você, Gabrielle, sua escrava tola”.
No quarto Mira estava a volta de cuidados com Xena, notou que se
mexia lentamente e viu seus olhos se abrindo.
- Esperava ver algo mais interessante quando abrisse os
olhos, Mira.
Mira sorriu em resposta ao comentário sarcástico da
conquistadora e completou:
- Isso é um castigo por ter demorado muito a acordar menina,
poderia ter acordado com um rosto loiro que ficou aqui a noite
inteira cuidando dessa guerreira sem modos. Como se sente?
Devolvendo o sorriso Xena diz:
- Ela ficou aqui a noite toda foi? Que lástima eu acordar justo
quando você está aqui, e me sinto como quem teve uma flecha atravessando o
corpo.
- Sim, ela ficou, ela se importa com você, embora você tenha essa
mania ridícula de espancar o mundo inteiro.
Xena sentiu como se um tapa lhe fosse dado naquele momento.
- Eu sou sim essa estúpida de vez em sempre e é por isso que
sou o que sou, e não pensa que é por eu estar esticada nessa cama que não
seja capaz de dar uma surra em velhas e insolentes escravas.
- Você não me mete medo menina, mas cuide de tirar esse pavor de outra
pessoa.
Nesse momento entrava pela porta Gabrielle balançando os cabelos
molhados e leva um susto por ver Xena desperta. Imediatamente se pôs a
encarar o chão e limitou-se a ficar longe da cama. Mira percebendo a tensão que
pairou ali se apressa em sair em sair dizendo que estava atarefada em sua
cozinha, virou nos calcanhares deixando a senhora e sua escrava trancadas ali.
O silêncio tomou conta do ambiente e Xena até esforçou-se para
levantar, em vão.
- A senhora não deve se esforçar, está muito fraca. - disse
Gabrielle se aproximando e contendo a senhora do mundo a segurar seu punho.
- Precisa de alguma coisa senhora conquistadora?
- Preciso de três coisas Gabrielle.
Encarando o chão a beira da cama a escrava confirma balançando a
cabeça.
- Primeiro olhe pra mim.
Gabrielle luta contra si e a encara.
- Muito bem, agora me dê água e sente-se aqui, quero falar com
você.
Os olhos da escrava foram tomados por medo, Gabrielle sabia
que podia ser punida por algo que fez inconscientemente e sabia o
quanto doía no corpo o castigo daquela mulher, mas também doía na alma.
Virou nos calcanhares para buscar uma taça com a água para a
imperatriz, voltando ficou parada a beira da cama com a taça
estendida.
- Sente-se aqui. - apontou Xena para um pequeno espaço ao lado da
cama, o que forçava a pequena a sentar-se em contato com ela.
Obedecendo as ordens, Gabrielle sentou a beira da cama de Xena
levando até seus lábios a taça, Xena toca as mãos de Gabrielle ajudando-a
na sustentação da pesada taça de prata. Xena tinha dificuldade de sorver
o liquido e notando isso Gabrielle eleva a mão na nuca da guerreira
erguendo assim a cabeça da morena para que bebesse mais tranquilamente.
Xena teve seu corpo todo arrepiado ao toque da escrava. “pelos deuses
o que essa menina faz comigo, lá se vai minha promessa de matar o resto da
humanidade que ainda tenho”. Gabrielle afasta dos lábios da guerreira a taça e
com cuidados vai soltando a cabeça dela no encosto do travesseiro, mas antes
que o contato fosse cessado Xena segura a mão de Gabrielle.
- Ouça Gabrielle, eu não quero que tenhas medo de mim, lhe fiz uma
promessa a qual já me pus a cumprir em verificar se sua história de ser uma
mulher livre é verdadeira.
- Mas, senhora...
- Cale-se e me escute, eu sei que você está com medo de mim,
e sei que sou responsável por isso, eu não queria ter batido em você. Tem um
mundo de coisa a minha volta que eu não entendo e não entendo porque me
comporto como uma besta às vezes, e saiba que isso não é um pedido de desculpas
porque eu não peço desculpas a ninguém. - disse isso sorrindo para a
escrava que era incapaz de desfazer o contato.
Gabrielle estava perdida no olhar e naquele sorriso que já tinha a
encantado no dia que observou da janela o treinamento no pátio. Incapaz
de dizer qualquer coisa Gabrielle sorri de volta. O mundo de Xena nesse momento
ganhou cor.
- Me ajude a me erguer um pouco?
Segurando as mãos da guerreira Gabrielle que estava
completamente atordoada por tudo que ouvira da impiedosa mulher, se põe a
ajudá-la. Já sentada e recostada na cama, Xena mantinha nos lábios um sorriso
extremamente sensual e que faz Gabrielle se matar em pensamentos. “como é
sensual e bonita, eu não consigo alimentar raiva dela, o que tem de errado
comigo”?
- Você precisa se alimentar senhora.
Dizendo isso Gabrielle ameaça sair do recinto e é impedida
pela forte mão que segura seu braço puxando-a.
- Quero muito provar algo.
- E o que minha senhora deseja?
Isso. Xena não segura mais seus instintos e puxa a escrava pra si,
olhando os verdes olhos de perto, e sentindo a respiração contra si a guerreira
une seus lábios aos da escrava, num beijo terno, e momentos depois sente o
beijo ser correspondido. Gabrielle simplesmente reage ao contato mordendo os
lábios de Xena que foi incapaz de conter o gemido. Em um instante as
línguas se procuravam com urgência, e a pequena mão da escrava agora alcançou
novamente a nuca da guerreira, entrelaçando os dedos nos fios negros e dando um
leve puxão a menina levou a guerreira à loucura com o beijo urgente e intenso. Beijaram-se
como se suas vidas dependessem daquilo, beijaram-se até que o ar faltasse e,
desfazendo aquele contato, cálidos olhos azuis encontram ardentes olhos verdes.
Ainda segurando o rosto junto ao de Xena, Gabrielle não desfaz o
olhar e a imperatriz diz quase dentro dos lábios da escrava.
- Tive medo, medo de morrer sem provar isso.
- Senhora, eu, hum, eu não devia...
- Não devia me beijar? Não queria me beijar?
- Hum, não devia senhora.
- Então quer dizer que queria.
Os olhos de Gabrielle tinha espanto, mas a escrava não teve tempo
de reagir, sua boca fora novamente capturada pelos lábios da maior, e em meio
aquele beijo enlouquecido pelo medo, pelo desejo que a escrava não
entendia, a escrava enlouqueceu a guerreira pronunciando seu nome
entre seus lábios em um gemido... – Hum, aii, Xena!
A guerreira desfez o beijo, e encontrou os olhos espantados de
Gabrielle.
- Perdoe-me senhora conquistadora.
- Me chame de Xena.
- Xena eu não entendo, eu não posso... O que você está fazendo
comigo?
- Eu sei o que eu estou fazendo com você, só não sei o que você
está fazendo comigo, pequena... Só sei que eu quero isso que você me causa.
- E o que eu te causo?
- Loucura, insensatez, paz... E isso é muito mais estranho pra mim
do que pra você, eu não tenho nome pra dar a isso, mas tudo que sei é que
preciso de você perto de mim, pequena.
- Xena, eu...
- Shissh, não fala nada... Se não quiser estar perto de mim e nem
suportar isso, e eu sei que você tem razões, é só sair por aquela porta e eu
não vou impedir você de se colocar em outro lugar nesse castelo, mas se você
puder ficar...
As palavras não precisaram mais se fazer presentes naquele
momento. Gabrielle mentalmente repassou a preocupação que a manteve
acordada aquela noite, não entendia ainda o porquê, mas precisava tanto daquela
mulher quanto do chão sob seus pés...