Os
dias em Corinto iam correndo junto com as areias do tempo, Xena se recuperava
bem do ferimento embora usasse dele para ter perto de si sua pequena escrava
que seguia perturbando até mesmo os seus sonhos. Usando disso em beneficio
próprio, a conquistadora tinha perto de si por mais tempo a menina que de certa
forma além de mexer com seu coração e seu desejo a arremetia uma paz e doçura
que se perdeu junto com a vida de seu irmão.
Xena
estava sempre a volta da escrava ou procurando um motivo para estar. Nos
corredores do castelo a proximidade das mulheres se tornara de conhecimento de
todos, surpreendendo alguns, despertando ciúmes e raiva em outros e alegrando
alguns que gostavam de fato da senhora do mundo conhecido. Contudo, Xena
não se esquecia da batalha que se formava fora de seus muros e sabia que em
poucos dias estaria em meio a ela. Desde que Gabrielle lhe revelara as furtivas
atividades de seu general Lugo nos fundos do castelo, a imperatriz estava mais
atenta e muito mais preocupada, sabia que não deveria revelar seu plano de
defesa de Corinto a ninguém, manteria no conhecimento de todos a rotina
antes já preparada, não podia falhar, não agora, não deixaria que ninguém
que estivesse por traz daqueles muros pagasse por algo em seu lugar, e ela
tinha em sua alma um alguém todo particular por quem entregaria a vida se
preciso fosse embora nem ela mesmo soubesse disso.
Nos
dias que se passaram em sua recuperação Xena passava horas resolvendo
problemas de seu reino nas entediantes audiências que se fizeram presente em
sua vida desde que saiu dos campos de batalha e se tornou a governante da
Grécia, longas horas de impaciência regadas a muito vinho... A outra parte do
seu dia curiosamente recentemente deixou de ser tão solitária. Após ter
Gabrielle próxima de si cuidando não só de suas coisas, mas também do seu
ferimento, Xena se dá conta do quanto aquela proximidade a fazia bem além de
seu particular interesse na escrava, definitivamente a menina estava
enlouquecendo seu juízo, seus dias e as suas noites.
Não
conseguia entender porque não tomou simplesmente a escrava em sua cama como
havia feito com tantas, sabia apenas que queria que fosse diferente com a
pequena loira, que nos últimos dias se mostrara extremamente inteligente e
sábia, saía de todas as situações com argumentos que a própria senhora do mundo
era incapaz de articular. Além da beleza, tudo isso encantava ainda mais a
imperatriz.
Gabrielle
tinha notado o quão perigoso era aquele mar azul que Xena trazia no olhar,
havia se permitido um contato, um toque, beijos e tinha certeza que se deixasse
levar seria seu fim, tinha certeza que não tardaria a ela dois destinos
cruéis: ou morreria empalada na espada da conquistadora por desagrada-la de
algum modo, ou se renderia a poderosa e imponente mulher até que a mesma se
cansasse dela e a atirasse no quartel dos soldados como um brinquedo. Alguma
noite atrás decidiu e manteve que deveria permanecer como aquilo que era
diante dos olhos de todos: uma simples escrava. Mal sabia que nesse
“todos” uma limitação poderosa se fazia exceção.
No
céu o sol brilhava e anunciava que o meio do dia se encaminhava, como havia se
tornado rotina Gabrielle entra nos aposentos da conquistadora dispondo a mesa
com maestria, já havia notado como a conquistadora gostava das coisas
organizadas e como fazia ali com ela as refeições aquilo se tornou algo
corriqueiro para ela.
Entrando
em seguida, a alta e morena mulher estava deslumbrante, entrou em passadas firmes,
seus cabelos negros soltos no ombro indo de encontro com o tecido de uma camisa
branca que tinha o fechamento através de um delicado cordão, vestia uma
calça de um preto fosco e botas longas. Ao se dar com aquela imagem, que
no fundo Gabrielle sabia que jamais seria uma presença comum para ela, a
escrava fica petrificada. “Como é linda, ainda que não fosse a dona do mundo nasceu para
reinar.”
Gabrielle
balança a cabeça espantando o pensamento e vê Xena sentada esperando ela
se colocar a sua frente e comenta:
-
Precisa de algo mais?
-
Sempre preciso. - responde a senhora do mundo queimando a escrava com o olhar.
-
Em que posso servi-la?
-
Gabrielle, se não fosse como é, tenha certeza que poderia me servir mais... Esqueça,
coma.
-
Xena, você já me tirou as informações dessa e de outra vida, e você nunca fala
de você, penso ser por medo... E... Humm, não precisa ter medo de mim porque além
de não conseguir eu não quero lhe fazer mal algum... Me fale de você?
Xena
foi incapaz de não elevar seu olhar e fitar as esmeraldas da pequena. Xena
nunca deixou que ninguém soubesse de si, tudo que se conhecia dela era as ações
como conquistadora, a guerreira mortal em batalha, e sua fama arrebatadora de
amante. O olhar de Xena fez com que Gabrielle titubeasse e por um momento se arrependesse
do que havia dito, mas tenta:
-
Humm, queria por um dia inverter as coisas, ser uma leoa em batalha e que você
fosse falante como eu.
-
E o que ganharia você sendo espancada em batalha?
-
Ganharia poder de saber de você, Xena.
-
Gabrielle, eu em nada sou interessante, se for até a sala de documentos vai ter
várias historias para me conhecer.
-
Não, não, Xena... Aquela que desenha nos pergaminhos não é você, e tão pouco a
pessoa que eu conheci. A Xena que sentiria as dores de um campo de batalha não
foi descrita, porque penso que ninguém a conheceu.
Gabrielle
tinha o dom de tirar Xena de qualquer ponto de equilíbrio, e diante do que ouvia
sem mesmo entender se permite...
-
Ouça, Gabrielle... Eu não tenho historias bonitas e nem jantares em família
para lhe contar, eu fui arrancada de minha mãe ainda criança junto com o meu irmão,
e me tornei o monstro que sou, que sente prazer em causar dor. Me fortaleço com
o sangue que derramo, não desejo o bem de ninguém além de mim... Fui
escravizada assim como você diz ser. Um dia eu soube o que tem do outro lado.
Gabrielle
parecia não acreditar em tudo que ouvira.
-
E seu irmão, onde ele...
-
Morto. Tudo que se aproxima de mim se perde, eu destruo tudo, eu arrasto tudo
junto comigo, e meu maior castigo é ver todos indo e eu ficando com o dissabor
da ausência.
-
Eu sinto muito que o tenha perdido. - disse a escrava loira em fio de voz.
-
Não sinta, eu não sinto... E não recomendo você ficar perto de mim menina, tudo
que me cerca se vai... Simplesmente vai.
Divagando
na abertura que jamais deu a alguém Xena se levanta da mesa e percorre o
ambiente com o olhar perdido e se aproxima dos vitrais de onde se vê toda a
Corinto.
-
Vê? – diz apontando para a cidade abaixo dos seus olhos - É feio, é
triste, tem tudo e não tem nada, e assim sou eu. Pode perceber?
Gabrielle
se aproxima tocando por traz o ombro da alta figura.
-
Assim é você?
-
Sim, assim sou eu.
-
Xena, então você não sabe quem você é.
Xena
com total espanto não consegue nem olhar a pequena e sábia figura.
-
Como não?
-
Porque é você que não se permite ver o quanto é bonito, a tristeza está nos
olhos de quem a enxerga. Veja esse verde, o campo farto, um reino próspero, e
você é a responsável por tal. E se você é assim - diz a escrava apontando o
horizonte - Estou perto de uma das mais belas criaturas, permita-se ver isso.
As
palavras da menina tocam a alma da senhora do mundo que se vira e fita os olhos
verdes.
-
Como você consegue enxergar em tudo algo bom?
-
Porque eu nunca sei se terei a oportunidade de ver duas vezes algo e ter a
chance de reavaliar e encontrar o bonito, então eu o encontro da forma que ele
se apresenta.
Desnudando
de vez sua alma a conquistadora alcança o coração da escrava.
-
Eu consigo ver o bonito através de você...
Os
verdes param no azul...
-
Xena, eu...
-
Shhhiis... Eu só quero agora seu silêncio.
Dizendo
isso, e perdida nos olhos esmeralda, Xena toca os lábios da menor.
Gabrielle
não desfaz o contato, e encontra na boca da maior uma tormenta, uma tempestade
em um mar revolto, lábios se procurando com urgência, uma mordida e um gemido,
língua invadindo a boca da guerreira, mais uma suplica em gemido perturbador. As
pequenas mãos alcançando a nuca de Xena, um leve puxar nos cabelos e o
descontrole toma conta da guerreira. Gemendo nos lábios de Gabrielle:
-
Como eu quero, eu nunca quis desse jeito.
-
Xena, humm, aii, não faz assim, eu não posso...
Andando
e empurrando a escrava de encontro à parede e até então sem interromper o
beijo, as mordidas, a guerreira afasta os lábios e os leva até a orelha da
menor...
-
Você está me enlouquecendo...
-
Não, isso é normal pra você, amante fervorosa. - diz a escrava
provocativamente.
-
Não, não pense que...
É
a vez de Gabrielle levar os lábios na orelha da guerreira e fazer com que se
arrepiasse...
-
Pensar? Eu não estou pensando, hum... Só consigo sentir.
Repentinamente
um barulho de porta interrompe o momento e olhando para traz com um jeito nada
amistoso Xena encontra uma figura de cabelos ruivos, e uma velha escrava
tentando segurar a jovem.
-
Então é por isso que a senhora conquistadora não tem precisado que a sirva
na cama? Conseguiu uma putinha nova?
Berrava
Melina dentro do ambiente.
Gabrielle
não deixou de se assustar e enrubescer, baixando o olhar e ficando encolhida no
canto vendo Xena partir para cima da insolente escrava com toda fúria.
-
Quem deu ordem para você vir aqui, puta?
Pegando
a escrava de corpo pelo pescoço se podia ouvir o estalar dos músculos.
Mira
que tentou impedir a todo custo que Melina entrasse pedia:
-Xena,
solte ela, você vai mata-la!
-
Cale a boca se você não quiser morrer junto!
A
besta tomou conta da guerreira e nos seus olhos só existia ódio e desprezo.
Xena
andava com a escrava erguida e bufava:
-
Fala, puta, quem te mandou entrar aqui? - disse batendo as costas da
mulher duramente na parede de pedra.
Melina
estava perdendo toda sua cor e nada conseguia dizer. Estava prestes a morrer
nas mãos de sua senhora quando se ouve um grito.
-
XENA, solte ela, a tristeza só existe nos olhos de quem a enxerga!
As
palavras foram um soco no estômago da impiedosa mulher. Instantes depois
Melina desliza parede abaixo encontrando o chão.
A
velha escrava que tudo via em desespero corre para ajudar e tirar dali Melina
que teve sua vida por um fio nas mãos de quem ousou desafiar. Xena
parecia estar em transe encarando sua pequena loira, descobrira naquele momento
que se tinha alguém nesse mundo capaz de salvá-la de si mesma esse alguém tinha
pouco mais de um metro e meio e os olhos mais lindos que os cálidos olhos azuis
enxergaram em todo o mundo.
Mira
saía dali arrastando Melina antes que Xena pudesse lançar-se sobre ela em um
novo repente.
O
transe que Xena se encontrava foi interrompido por um forte estampido, um
barulho ensurdecedor invadiu seus sentidos, correndo em direção aos vitrais vê
os portões ao longe sendo balançados...
-Merda,
merda, merda! Quanta ousadia!
Os
portões de Corinto estavam sob ataque muito antes do que ela imaginava.
O
olhar da guerreira para Gabrielle era um misto de surpresa e confusão.
-
Gabrielle, ouça, tudo que eu menos queria agora era isso, mas eu vou ter que
cuidar de uns imbecis que estão ousando me desafiar. Fique aqui, e não saia nem
se por ventura me ver morrer lá embaixo.
-
Não Xena, não vou ver você morrer. “Você não pode morrer”. O simples pensamento faz nascerem lágrimas nos
olhos da menina.
-
Ei, tudo que eu mais queria era ficar aqui, e provar o que tem tirado o meu
sossego, provar você. E não chore por mim, eu não valho isso...
Xena
recolhe sua espada, e o objeto redondo e bastante afiado e sai em passos largos.
-
XENA! - Gabrielle corre até a porta - Não deixe de voltar... Eu também sinto...
-
Eu volto, pequena.
E
nesse instante Xena se dá conta que ela ainda era a mesma menina que foi
arrastada para longe... E a pequena Gabrielle parecia estar ali desde sempre. “Deuses, como ela
consegue? Se soubesse o poder que tem estarei arruinada”.