A luz do dia invadia o ambiente e aos
poucos trouxe o azul dos olhos ao encontro da realidade. Xena desperta e não
contem o sorriso ao ver que em cima de si um anjo loiro estava completamente
emergido no sono, e tinha todo o pequeno corpo jogado sobre o dela. As
lembranças da noite anterior a invadiram e a fizeram sorrir, permitiu-se
ficar contemplando a beleza por mais um tempo, até que com um suave beijo na
testa da menor a desperta. Gabrielle é tomada por um susto até se dar conta de
onde estava e do que ocorrera na noite anterior...
- Sou tão assustadora ao acordar, Gabrielle?-
disse a guerreira com humor na voz.
- Deuses, Xena, não! É... Hum... Que... - disse
a pequena apontando os corpos nus.
- Melhor visão eu não poderia ter a essa hora.
Gabrielle para em total estado de
encantamento ao ver o sorriso da conquistadora.
- Pequena, era tudo que eu não gostaria
agora, mas temos que voltar a Corinto, tenho coisas a resolver e são sérias... Ouça,
eu não sei ainda o que fazer com esses sentimentos todos que estão em mim... Eu
tenho tanto medo... De não saber lidar, de me enfraquecer, de machucar
você... Mas ouça... Confia em mim?
- Xena, deuses! Eu nunca pensei, eu sou só
uma escrava... E agora?
- Eu não tenho resposta pequena, mas você me
tem.
Um beijo transformou tudo em silêncio. Xena
ainda estava deitada sobre as peles admirando as curvas de sua amante, estava
enlouquecida por ela e não negaria isso a si mesma.
Levantou-se com dificuldade pelo corte que
tinha na coxa, as últimas emoções quase a fizeram esquecer o fato, mas ao
sentir a dor cortando os músculos da perna lembrou-se com lucidez do que a
esperava no retorno a Corinto. Batios havia sido arrastado por ela e estava
muito ferido, mas não o suficiente para morrer. Queria castigá-lo na frente de
todos. E ainda se recordara de Lugo que havia a traído naquela investida contra
ela. Após estar vestida aproximou-se da pequena:
- Gabrielle, eu preciso voltar a Corinto,
preciso pôr em ordem as coisas no Castelo, pois não creio que o ataque
que sofri parará com essa batalha.
- Xena, é sempre assim?... Perigoso?
- Gabrielle, eu tenho inimigos em todos os
cantos da Grécia, eu sempre vivi assim. Ou se esqueceu de quem eu sou?
- Xena, não podemos mudar o que aconteceu
aqui, e é estranho pra mim...
- Ouça Gabrielle, não podemos mudar e eu não
gostaria de mudar porque eu desejei muito que acontecesse... As coisas são
diferentes agora.
- Diferentes? Como?
- Você é minha, Gabrielle.
- Mas isso eu sempre fui, desde o dia que
entrei em Corinto como sua escrava.
- Você é minha não dessa forma, e as coisas
agora são diferentes e podem ser perigosas pra você pelo simples fato de estar
ao meu lado.
Gabrielle se enlaça em Xena em um abraço
falando contra seu peito:
- Não tem lugar que eu esteja mais segura que
aqui, entre seus braços Xena.
Xena aperta a pequena no seu abraço e
lhe dá um beijo no topo da cabeça.
- Precisamos ir. Venha, monte comigo.
Xena colocara a escrava na sela a sua frente
onde contornou sua cintura com as mãos bem perto do ventre deixando-a colada em
si. A guerreira amava aquele contato, o toque daquele corpo lhe tirava e
lhe trazia a paz. Cavalgaram em silêncio até bem próximo de Corinto, onde era
possível ver o quão feia tinha sido a batalha. Gabrielle se encolheu contra o
corpo de Xena enquanto passavam por alguns corpos ainda em campo. Nem mesmo a
segurança que sentia ao ter a guerreira grudada nela era suficiente para
afastar o horror do que vira. Não conseguiu conter o choro diante daquilo. Xena
fingiu não perceber a fraqueza de sua amada, mas não foi capaz de fingir não
saber o quão a alma daquela menina era pura. “Deuses, Xena, o
que você está fazendo? Apaixonada por uma escrava medrosa. Seria justo levar
dela toda essa inocência?”
Xena optou por entrar por seu estábulo
particular. Entrou na estreita abertura guiando sua égua, gemeu de dor ao
desmontar e sentir o toque da perna no chão. A dor do corte era dilacerante.
- Xena, precisa ver o curador... Sua perna...
- Não será necessário, tenho quem cuide de
mim.
O olhar de Xena para Gabrielle era
entorpecedor, estava escancarando seus sentimentos para aquela pequena e sabia
o quão perigoso era entregar seus sentimentos a alguém. Isso havia acontecido
em outro tempo e as coisas não haviam saído bem.
Subiu as escadas com dificuldade até estar em
seus aposentos. Ao entrar foi se despindo enquanto se encaminhava para a
sala de banho. Rapidamente Gabrielle se pôs a preparar o banho da
guerreira, quando parou absolutamente perdida na visão de Xena nua pronta
pra entrar na enorme tina que ali havia. Xena deixa escapar um malicioso
sorriso mergulhando na água.
- Lave minhas costas.
Gabrielle se entrega com prazer aquela
tarefa, lavou o corpo da morena, seus cabelos... O toque suave da pequena
estremecia Xena, que numa furtiva tentativa de desvencilhar dos pensamentos a
interrompe:
- Assustei você, pequena, quando entrei aqui
nua?
- Não, é que... Hum, eu fiquei sem graça.
- Não se acostumou ainda em me ver nua?
Aproximando-se do ouvido da guerreira em um
sussurro:
- Nunca me acostumarei com tal perfeição,
senhora conquistadora.
- Tire a roupa e entre aqui comigo... Deixa-me
banhar você.
- Mas, Xena, é sua sala de banho particular...
Eu não devo.
- Entre, Gabrielle.
A pequena escrava se põe de pé na frente da
guerreira e deixa cair sua túnica surrada. O olhar de Xena percorreu cada
centímetro daquele corpo antes que ele mergulhasse nas mornas águas.
Gabrielle sentou-se de costas para Xena, que
pacientemente lavou as costas da menor. Intensificando o toque, percorreu os
seios, o abdômen e parou antes de tocar o sexo da pequena. Gabrielle quase que
implora pelo toque, queria ceder e ser mais uma vez daquela mulher, tinha uma
necessidade imensa de ser possuída por ela. Gabrielle se limita a pegar as mãos
da conquistadora e encaminhar seus dedos até sua fenda molhada não pela água.
No ouvido da pequena Xena quase gemia:
- Deuses, você será meu Tártaro... Não,
Gabrielle, não agora...
Gabrielle joga a cabeça pra trás sobre os
ombros da guerreira em total frustração.
Xena estava lutando sua maior batalha em sair
daquela tina negando seu desejo, tinha o meio das suas pernas molhado
pela vontade de possuir a pequena, mas tinha ordens a dar e coisas a resolver e
iria começar ordenando ali.
- Gabrielle, de hoje em diante não quero você
como uma escrava qualquer... Você é só minha, entendeu? Nem pense em fazer algo
na cozinha, fará suas refeições junto a mim, e ordenarei que providenciem
roupas adequadas a você. Andarás a meu lado nesse castelo e para tal precisa
estar à altura. Ficará uma deusa, a minha deusa. – ao dizer isso, beija os
lábios da pequena com paixão e mais uma vez é uma guerra se livrar do contato.
Xena estava divina vestindo uma calça negra
que insistiu pôr sobre o ferimento ocultando assim sua fraqueza, tinha uma
camisa de mangas longas branca como a neve sob a parte de cima do
corpo, e Gabrielle fechava com todo cuidado as cordinhas que prendia a
frente da gola. E sob os seios da guerreira, calçou as botas e estava
pronta pra enfrentar a corte em mais um dia que seria movimentado.
Xena abre a porta dos seus aposentos
ordenando à um guarda que reunisse imediatamente os conselheiros e todos
no pátio do castelo, e isso incluía também os generais, nobres e escravos. Mandou
também que trouxessem Mira à sua presença. Estava sentada no alto trono da
antecâmara lendo alguns pergaminhos. Havia deixado que Gabrielle fosse até seu
quarto e ordenou que descansasse e ficasse lá até que fosse avisada.
- Mandou me chamar, menina?
- Mira, quero que cuide de Gabrielle. Dê a
ela roupas. Não roupas de escravos, vista-a como minha acompanhante.
- Oh Xena, finalmente. - disse se aproximando
com ternura no olhar. - Não precisa esconder isso, não de mim, está mais claro
que a luz do dia, está nos seus olhos o que sente por ela, e eu fico feliz em
saber que alguém cuida do seu coração.
- Velha tola, quem disse que eu tenho
coração? Faça o que eu ordenei, cuide dela como se cuidasse de mim e dê a ela
somente o que daria para mim.
- Sim, senhora. - Mira já estava saindo
quando foi surpreendida:
- Uma palavra sobre o meu coração, e sobre o
que ela é pra mim, e eu a crucifico no pátio, velha intrometida.
Xena passou a manhã em reunião com o conselho
antes de se dirigir ao pátio na presença de todos. Iria sentenciar seu inimigo
e tinha em mente também assustar seu general traidor, mas não iria abatê-los,
pois sabia que podia ter algo mais e não iria perder a chance de saber se mais
alguém também a queria destronada, e iria usá-lo para isso.
Desceu a passos largos o corredor e parou na
porta do quarto de Gabrielle e, ao entrar, a vista que encontra era de uma
pequena bem diferente daquela que amanheceu em seus braços. Gabrielle trajava
uma túnica de tom verde quase da cor dos olhos. A túnica era justa e terminava
antes dos joelhos e dava a seu corpo justiça as curvas que nele trazia. Xena
ficou encantada com a beleza a sua frente.
- Quem nunca vai se acostumar com tamanha
beleza sou eu. Vamos.
Desceram em direção ao pátio, e ao chegar lá
Gabrielle parou no canto próximo a Mira. Tinha na figura da escrava uma
referência e sabia que naquele momento Xena era absoluta, era autoridade, era a
Conquistadora de Nações e não reconhecia nela a mulher com quem estivera tão
intimamente.
No meio do pátio estava Batios amarrado a um
tronco, pelos pés e mãos, o rosto coberto por sangue seco e aparência de
um moribundo. Xena o rodeia e vai falando em alto e bom som para que as
palavras alcançassem a todos:
- Mais um imbecil tentou tomar Corinto e meu
reino, mais um idiota que pagará por tentar me afrontar! - disse enquanto
chutava o homem - Deixo claro a todos vocês o destino de quem ousa me desafiar!
- um soco atinge em cheio o rosto do homem que quase não tinha sentidos - Sei
que entre aqueles que aqui estão comigo existe os que desejam que a próxima a
estar em situação semelhante a desse bastardo seja eu, e é pra esses que vou
falar, tentem 1000 vezes que 1001 serão vocês aqui nesse lugar, e se exemplo
lhes serve de algo...
Xena puxa da bainha de um dos soldados que
fazia guarda perto dela a espada, e começa a torturar o homem. Cortou uma das
mãos, e o sangue do homem jorrou no pátio. O som do riso de Xena toma todo o
ambiente, seus olhos estão escuros de ódio, mas pela primeira vez ela não
sentia prazer em fazer aquilo. Cortava lentamente o homem causando horror em
todos com o banho de sangue, mas não o matava. Até que, ao lhe rasgar as
entranhas jogando as tripas do homem ao chão, encontrou as lagrimas nos olhos
de uma pequena e conhecida figura que tentava a todo custo abafar os soluços. Diante
daquilo Xena fica petrificada e acaba com toda a cena do pátio dizendo:
- Que sirva de referência pra quem pensa em
cometer a mesma imbecilidade!
Xena entra no castelo com raiva de si mesma
ao notar o poder que Gabrielle exercia sobre ela, sentiu-se desconfortável com
o que havia feito e isso em qualquer situação seria um prazer pra ela, mas não
agora. Passou ao lado de Gabrielle e desejou morrer para não ter que encarar o
olhar banhando em lágrimas da pequena. Xena naquele momento soube que podia
suportar qualquer dor, mas não podia suportar causar dor naquela pequena figura
que era grande demais dentro do seu coração. Entrou a toda pressa na antecâmara
batendo a porta atrás de si, e lavando as mãos de sangue em uma bacia que ali
havia. Estava pronta para sair e ordenar que chamassem Nereu quando sente o
cheiro peculiar que só uma criatura trazia...
- Apareça, Ares! O que você quer comigo? - disse
entre os dentes.
- Xena, é irritante essa sua mania de me
perceber sempre.
- Ares, eu não estou com paciência, é melhor
sumir do mesmo jeito que apareceu.
- Xena, Xena, é só um aviso. Tão
afortunada foi ao conquistar o mundo sem pensar em ninguém e nada além do poder
que desejou. Tão desafortunada será se contrariar isso. Posso dar cabo dessa
pirralha por você.
Xena dá um chute certeiro no peito do
Deus da guerra fazendo com que caia de costa no chão.
- E só um aviso Ares, chegue perto de
Gabrielle que eu mesma o arrasto por toda Grécia! Não toque nela.
- Você está fraca, guerreira.
Gargalhando, o deus da guerra desaparece em
meio a fumaça. A ameaça contribuiu em muito para piorar o humor da guerreira,
que não sabia como lidar com o pavor que causara em sua pequena amada.
Impaciente, a guerreira sai pelos corredores buscando os olhos esmeraldas
que eram capazes de tudo fazer com ela. Ao não encontrá-los, se encaminha ao
quartel e tira de lá Nereu e o indaga sobre o paradeiro do emissário que mandou
para levantar a vida de Gabrielle e seu passado. Tudo que soube de Nereu é que
o homem ainda não havia dado noticia.
- Pelos deuses! Você mandou uma lesma no
lugar de um homem? Nada nesse lugar sai da forma que quero se eu mesma não
fizer!
- Senhora conquistadora, eu vou mandar
outro...
A Frase do general não foi completada antes
de Xena sair bufando pátio afora. Encaminhou-se até a cozinha onde pegou com
Mira algumas provisões e se limitou a dizer que estaria fora do castelo.
- Vou precisar sair pra resolver uma
coisa que esses homens incompetentes não conseguem fazer. Cuide dela como faria
comigo.
Mira acena em concordância e vê a sombra de
Xena afundar nos estábulos.
Xena monta sua égua e sai pelos fundos
do castelo sem chamar atenção, queria de fato saber as raízes de
Gabrielle e se de fato não era uma escrava. Aquilo para ela não tinha mais
importância, mas para todos teria. Não podia ter como consorte uma escrava e
seria muito mais fácil se fosse a eleita uma mulher livre.
Saiu em disparada pelos verdes campos
rumo a Potedia. Iria encontrar no caminho o emissário e apressar as coisas,
Xena só não sabia que estava fazendo exatamente tudo que não deveria...
Longe dos olhos azuis, Gabrielle andava distraidamente
pelo jardim do castelo tentando tirar do pensamento a cena que viu, não
cabia nela a maldade de Xena, não suportava saber que a mulher que lhe
causava tudo levava a vida como nada, as mesmas mãos que a entorpecia
e causava febre em seu corpo eram as mãos que tirava vidas. Não
podia negar que Xena mexia com ela de muitas formas, mas não concebia a ideia
da maldade dentro daquele coração, o mesmo coração que por ela tinha amor.
Gabrielle estava tão distante de tudo que não percebera que estava sendo de
perto observada por uma sombra que a seguia desde que saiu dos aposentos
acompanhada de Xena.
“Você nunca a terá, o coração dela nunca será de ninguém se não meu...”.
Xena cavalgava já na escuridão, estava longe
de Corinto, e longe também da temida mulher que sempre fora, da maldade
que trazia consigo desde que se tornou soberana no mundo. Pensava em
Gabrielle com ternura, e a lembrança da loira embriaga seus sentidos. “Como
sinto falta de estar perto dela, como foi divino sentir que ela também
quer... E como é terrível ver a dor naqueles olhos, nos meus olhos... Sim, meus
olhos... Eu já não pertenço mais a mim...”.
Do Monte Olimpo Xena era observada com olhos
de ódio...
“Você não pertence mais a você porque nunca teve as rédeas de si. Você
sempre pertenceu e pertencerá a mim, Xena”.
Na cama perdida em sentimentos e pensamentos,
Gabrielle procura a paz para seu sono. Havia revirado o castelo e não a
encontrara, não encontrou Xena, não encontrou sua paz...