Xena havia cavalgado quase que incessantemente,
achou estranho não encontrar pelo caminho seu emissário e um frio lhe correu a
espinha. Naquele momento foi tomada por uma estranha sensação de medo e
seu pensamento foi até Gabrielle. Xena não era uma mulher conhecida por
temer algo ou alguém, mais pela primeira vez tinha alguém que valia a
preocupação e o cuidado dela. Os primeiros raios do dia chegaram junto
com Xena a Potedia, ao entrar pela estreita abertura que dava acesso ao
vilarejo Xena nota um excessivo silêncio, e tudo que encontra pela frente é
destruição, casas que terminavam de queimar. O cheiro de sangue invade as
narinas da guerreira que começa a entender o motivo de não ter encontrado seu
emissário.
“Deuses... Quem teria
interesse em causar isso?”
Andando no meio da destruição, revirando o que
encontrava, a guerreira vai ao que restava de uma casa no fundo
do vilarejo. Não tinha sido queimada, mas havia sido destruída. Mentalmente
repassava que a possibilidade de encontrar a verdade ou algo sob o
passado de Gabrielle estava tão destruído como aquele lugar, não havia
nada ali e os prováveis sobreviventes de certo haviam fugido.
***
O dia amanhecia na fortaleza e Gabrielle
costumeiramente acordaria cedo para preparar as coisas da senhora conquistadora.
Naquela manhã seria diferente, uma vez que ela ao adormecer a duras penas teve
a consciência de que a mulher não estava no castelo. Abriu os olhos e ao pensar
nisso se sentiu culpada, lembrou-se da ultima vez que seus olhos se
encontraram, nos dela havia pavor e nos de Xena um medo... Sim, ela havia visto
medo no olhar da guerreira. Gabrielle sabia que o envolvimento delas esbarraria
em muitos problemas, mas jamais pudera imaginar que sua resistência a violência
e a forma com a qual se assustou em ver a mulher por quem tinha fascínio
assassinar aquele homem afetaria de tal forma a ponto dela desaparecer do
castelo. O coração da pequena era habitado por desassossego, sentimento esse
que se tornou a ela comum desde que conheceu Xena. Afastando esses pensamentos
Gabrielle procurou se ocupar, precisava se distrair e sabia que
ócio em nada ajudaria a tirar de seu coração a angustia que sentia por não
saber o destino da conquistadora. Desceu até a cozinha do palácio e onde
sem surpresa encontrou Mira entregue a seus afazeres.
- Aí está você menina, o que faz por aqui tão cedo?
- Vim ajudar, preciso fazer algo que me ocupe.
- Ocupe-se com a afeita nos aposentos da senhora
conquistadora, precisará de um banho quando se dignar a voltar.
- Sabe onde ela está?
- Hahaha... O dia que Xena der explicações do
que faz é o fim da Grécia, menina.
Gabrielle abaixa o olhar em clara decepção, espera
de alguma maneira saber de Xena, faltava algo nela.
- Ouça menina, Xena já está velha demais para não
saber se cuidar, não há razões para se preocupar, porque não demora ela entra
feito uma besta fera por essas portas.
- Eu me preocupo com ela, jamais entenderei
como ninguém se preocupa, ela é só uma mulher. E é que... Humm... Há
tanta maldade por ai.
- Eu sei menina, mas ela sabe se cuidar. Ouça, suba
e prepare as coisas dela como sempre e espere por ela...
Gabrielle assentiu com a cabeça e começava a
se encaminhar pelo corredor quando a voz da velha escrava irrompe seus sentidos:
- Imagino que não seja nada fácil lidar com tudo,
lidar com ela, e amá-la do jeito que você ama, mas se parece difícil pra
pessoas normais imagina pra quem nunca viu nada de bonito na vida... Ela nunca
soube o que é isso... Cuide que ela saiba.
Gabrielle ouviu cada palavra atentamente antes de
se virar e responder. Caminhou pelo longo corredor pensativa e distraída que em
momento algum se deu conta que estava sendo vigiada de muito perto por olhos
que traziam somente escuridão.
“Então quer dizer que
estamos falando de amor. Como essa maldita escrava insignificante ousa tocar no
que é meu? Vai pagar muito caro por isso.”
Os frios olhos se perdem entre as paredes do
castelo se encaminhando rumo à área externa, caminhou alguns passos até
alcançar o fundo de uma das senzalas, o ódio tomou conta daquela figura que
socava uma coluna de pedra que mantinha a estrutura do lugar.
“Xena é minha, só minha”
Nesse momento uma figura se materializa na
frente da mulher que socava a coluna quase a matando de susto...
- Quem é você?
- Presumo que uma escrava de fato não reconheça um deus,
não te interessa muito saber quem eu sou, te interessaria talvez o que eu possa
te dar, temos interesses bastante comuns Melina...
- Quem é você?
- Pergunte menos e me escute mais... Ouça, quero
que você...
***
Xena havia deixado o vilarejo para trás sem
nenhuma resposta, pôs-se a toda marcha rumo a Corinto, havia saído sem
falar com Gabrielle, tinha visto nos olhos dela o pavor imposto por sua
atitude brutal com Batios, sabia que não seria fácil mostrar ao seu pequeno
anjo que certas coisas se faziam necessárias. Tinha pensando naquilo boa
parte da noite anterior e se viu disposta a fazer o que preciso fosse para que
sua amada entendesse suas reações e tentasse aceitá-la sem desistir ou sentir
medo.
“Eu jamais machucaria você,
minha pequena”
Não muito longe das imediações de
corinto, Xena sabia que teria problemas. Encontrou pegadas na estrada,
imaginou que fossem alguns ladrões e que poderia dar conta deles sem maiores
complicações, até que mais a frente avistou caído o que seria o
elmo de um soldado persa. O frio percorreu a espinha da mulher,
Xena sabia bem da fama dos persas, era um dos exércitos mais violentos do mundo
conhecido e não entendia a razão deles estarem ali, sabia que a investida
de Batios era o prenúncio de que teria mais problemas, mas os persas
nunca lhe ocorrera. Saiu daquela rota tomando um caminho um pouco mais
longo, mas tinha consciência que deveria evitar problemas, tinha na coxa
um corte que ainda a incomodava e tudo que queria era regressar ao
palácio. Sentia uma necessidade imensa de encontrar Gabrielle, queria
contar a ela tudo que havia visto, mas sabia que causaria dor ao informar que
muito provavelmente havia perdido sua família. Xena não tinha duvidas e
acreditava que a menina não era uma escrava por herança.
“Pelas bolas de Ares! Como
vou contar isso a minha pequena?” - seu pensamento
fora cortado quando sentiu um cheiro familiar lhe rondando.
- Apareça Ares, e me poupe dos seus joguinhos.
-Xena, me decepciono toda vez, nunca consigo
surpreendê-la. Por outro lado não pode negar que estamos ligados, você me
sente...
- Deixe de enrolação! O que você quer dessa vez,
imundo? - disse a guerreira montada em sua égua que tinha o deus feito estaca a
sua frente.
- Ora, ora, Xena, vejo que tem pressa, nunca
imaginei ver você tão caseira.
- Fique com suas gracinhas.
- Xena, lute minhas guerras, fique ao me lado e
nada lhe alcançará.
- Ares, desista, não entro mais em seu jogo sujo,
se veio aqui pra isso perdeu seu tempo.
- É só um aviso, muito em breve vai implorar pra
lutar ao meu lado. HAHAHAHAHA...
A luz do entardecer tomava agora os vitrais
dos grandes aposentos da conquistadora, os olhos verdes procuravam nos campos
através da pouca luz que ainda restava algum sinal que acalmasse seu coração,
em vão. Impaciente e sem mais aguentar ficar presa sem nada pra distrair suas
aflições, Gabrielle desce os corredores passando pelos guardas e atravessou
discretamente o pátio que já não tinha mais movimentação de soldados e
alcançou os jardins. Gostava de ficar ali, o perfume das flores lhe
trazia uma paz, o cheiro do campo lembra algo que agora estava muito
distante para ela, tinha cheiro de casa, do lar que em outrora fosse seu. A
calma de Gabrielle não tardou em ser furtada, foi surpreendida por uma mão
forte que apertou o contorno do seu braço fazendo-a gritar.
- AIIIII!!
Ao virar os olhos tomados pelo medo, Gabrielle
encontra a figura forte do general que a tempos a atormentava.
- Então a putinha da conquistadora ganhou alforria?
Desfrutando da ausência de sua senhora, escrava? - Indagou em tom grave Lugo
que seguia apertando os braços de Gabrielle.
- Me solta, você está me machucando. - A voz
de Gabrielle quase não saía.
- Creio que na ausência de sua senhora possa servir
para divertimento de mais alguém.
- Me solta, me larga, seu nojento. - Gabrielle
tentava a toda força se soltar daquelas mãos.
Lugo arrastou Gabrielle a força para uma área
próxima ao estábulo após lhe deferir um tapa na tentativa de calar os gritos
que dela vinham. Lançou o corpo da pequena escrava contra o muro de pedra a
toda força.
- Xena nunca foi burra, soube sempre escolher suas
putas de cama muito bem. E sabe Gabrielle, eu nem me importo, mas pensar
que ela nutre por você algo como todos têm falado por aí realmente não me
agrada.
As lágrimas tomaram conta de Gabrielle que era só
medo e horror, mentalmente clamava que Xena pudesse tira-la dali, mas
lembrou-se que a conquistadora estava em algum lugar, menos ali.
- Já que a senhora do mundo pode, eu posso também.
- disse o homem mordendo o pescoço da pequena e levando a mão por baixo da
túnica que cobria a escrava.
“Deuses ajudem-me, não
deixe que aconteça dessa forma, não deixe que esse homem me possua”
Xena havia posto sua égua em marcha forçada assim
que Ares desapareceu frente a seus olhos, entrava em Corinto pelo
estreito corredor de seu estábulo particular, deixou na baia sua égua e
colocou para ela um balde de água.
- Beba menina, como sempre merecedora.
Xena já se encaminhava para o acesso que a levaria
para o interior do castelo quando algo lhe chamou atenção. O som parecia de um
grito abafado que vinha de perto dali. Deu a volta no estábulo como um
gato silencioso, procurava algum movimento de exército inimigo por sob a
muralha, mas seus cálidos olhos azuis nada encontrou.
Lugo forçou as costas da escrava contra o muro de
pedra mais uma vez e com mais força, que o barulho do choque
alcançou os ouvidos sensíveis da guerreira que correu naquela direção. O
tempo foi suficiente somente para que ela bradasse com todo seu ódio diante do
que viu:
- LARGA ELA, SEU IMBECIL!!
Os olhos de Lugo congelaram em pânico, os olhos de
Gabrielle se encheram de luz...
- Xena... - disse a menina em um fio de voz.
Xena alcança com um salto mortal as costas de Lugo,
goleando-o com violência, que ele choca a testa direto nas pedras do muro
ficando quase inconsciente. Gabrielle instintivamente corre para abraçar sua
salvadora, Xena parecia sempre estar lá por ela. Porém antes de alcançar o
corpo da mulher, um golpe certeiro alcança seu rosto e suas costas mais uma vez
encontram o muro de pedra.
- Escrava vagabunda, eu viro as costas e você se
esfrega com meus generais? - dizia a guerreira tomada por uma fúria que
escurecia seus olhos.
- Xena, eu não...
- Cale a boca sua puta, pensa que porque eu usei
você tem direito de se dirigir assim a mim? É senhora conquistadora pra
você, quem você pensa que é? - disse erguendo Gabrielle pelo pescoço quase a deixando
sem ar.
- Senhora eu não fiz nada, eu só... - dos olhos de
Gabrielle escorria um pranto de dor, a dor física nem era sentida, a dor da
incompreensão da mulher que fora tão carinhosa e protetora agora fazia
dela mil pedaços.
Xena saiu dali arrastando Lugo até o pátio e
empurrando Gabrielle travada pelo pescoço. Xena tinha o ódio tocando a
superfície do seu ser com plenitude. O choro incontido de Gabrielle foi
suficiente para alarmar o quartel e alguns soldados se puseram de
fora quando Xena alcançou o centro do pátio.
- Acorrentem esse imbecil no tronco como um
escravo, deixe-o nu e sem água, que vou tratar dele pelo amanhecer.
- Sim, senhora conquistadora. - disse um soldado
batendo no próprio peito em reverência.
Xena continuava arrastando Gabrielle em
direção ao interior do castelo, seus passos agora alcançavam o longo
corredor de acesso a seus aposentos. Um grito de súplica de Mira pode ser
ouvido:
- Menina, Xena, pelos deuses! Não faça nada que lhe
fará perder a alma, não faça nada do que se arrependa e não dê pra consertar!
Xenaaaa!
A súplica da escrava foi ouvida por Xena, mas não
parecia ter alcançado seu coração, o ódio palpável ainda estava ali, uma
resignada Gabrielle somente chorava e permanecia de cabeça baixa enquanto era
praticamente arrastada. Xena abriu a pesada porta de acesso aos seus aposentos
com um chute, os guardas que estavam a sua porta se afastaram para não ser
atingidos. Ao abrir o espaço atirou Gabrielle a sua frente com um
empurrão que a fez ir ao chão.
- Como fui imbecil e me enganei tanto com você, sua
escrava de merda!
Com mais um tapa deferido no rosto da pequena
escrava, Xena lhe deu mais alguns tapas pondo todo seu ódio ali. Deixou a
menina caída no quarto quase sem se mexer, e foi em direção à sala de banho. Despindo-se
mergulhou na água sem preparo e fria da tina.
“Guerreira imbecil, como
se deixou levar? A escrava deve estar rindo de você agora. Você se permitiu ser
tocada por ela e ela se deitando com seus generais e se dizendo virgem. Como
fui tola, não a violei por sentimentos, e olha como ela te trata, abrindo as
pernas pro seu general”
Um desconhecido calor toma o rosto da guerreira, as
lágrimas escorriam de seus olhos, no peito o punhal do ciúme lhe rasga, o ódio
que sentiu nada mais era que a punhalada do ciúme cortando seu coração, e
cegando seus sentidos e sua razão.
Caída na antecâmara, Gabrielle chora e chama
baixinho:
- Xena...
A guerreira se joga na cama, e luta com sua
consciência tentando dormir, se revira na cama, o corpo está exausto, os
sentimentos embaralhados, o ódio que lançou sob Gabrielle parecia agora
se afastar e a tristeza se fazendo presente. Estava agoniada, a lembrança dos
olhos tomados pelas lágrimas a corroíam, os soluços de Gabrielle haviam cessado
há um tempo e tudo que a guerreira ouvia eram os demônios de seu ser...
“Por que, imbecil, foi
deixar se levar por sentimentos?”
Xena travou a batalha consigo mesma por longas
marcas de vela, ninguém se atreveu sequer a bater a porta, todos sabiam o
quanto perigosa ela podia ser quando tomada pela besta, estava sozinha naquela
cama e a paz mais uma vez a abandonara. Perdeu a batalha para si mesma...
“O que você fez guerreira
estúpida? Como pode surrar quem só lhe trouxe paz até enquanto dormia?
Ela me traiu, não traiu?”
Xena se
levanta de um salto e se põe lentamente a andar pelo espaço de um lado pro
outro, as lágrimas mais uma vez tomaram seu rosto, e caíam de seu queixo
alcançando seu seio exposto. Estava nua, havia saído da água e se enfiado nos
lençóis buscando uma calma que sabia que não teria. Já devia ser alta madrugada
quando a passos largos se encorajou o suficiente para andar na direção da
antecâmara. Caminhou ali mais lentamente até estar diante do pequeno corpo
encolhido no chão.
“Deuses, eu sou um
monstro, o que eu fiz?”
Xena se abaixa com um medo que nunca sentiu antes,
queria tocar a pele pálida da pequena, mas sabia tudo que havia causado. A
mão da guerreira pairava a centímetros do rosto de Gabrielle, mas um medo
congelante a impedia de tocar. Ficou ali perdida, não conseguia sufocar o
choro, havia ferido sua menina, seu amor. Era incapaz de se perdoar.
“Deuses, não...” - era a súplica de uma mulher que não continha suas
ações, e notava agora que não continha também o amor que crescia em seu peito.
- Eu amo você pequena, por que você me traiu?
As pequenas mãos de Gabrielle encontram as mãos da
guerreira e as leva a tocar seu rosto.
- Eu não traí você, seus olhos te traíram... Eu amo
você, Xena.
Aqueles olhos verdes queimam o olhar da senhora do
mundo...
- Como pode dizer isso, Gabrielle? Olha o que eu
fiz.
- O amor desconhece razões...
Apertando as mãos da guerreira,
Gabrielle não suporta mais as dores do corpo e desfalece.
Os olhos de Xena são tomados de pânico, o coração
dela era dor...
Olhos atentos vislumbram do Olimpo:
- Guerreira de tantas batalhas perdendo para
amor... Tolinha...